sábado, 17 de janeiro de 2015


“mas presos são quase todos pretos
Ou quase pretos, ou quase brancos quase pretos de tão pobres
E pobres são como podres e todos sabem como se tratam os pretos”
(HAITI – Caetano Veloso)

“Seria a pena de morte a solução milagrosa para os males sociais? Extirpar seres humanos, ao argumento de que não se ajustam ao modelo social é ato válido, necessário, salutar?” (Vitor Guglinski)
A pena de morte parece ser a cura para todas as mazelas produzidas pelo crime...
Parece, mas não é.
Nenhum crime justifica outro. Se é errado para a pessoa comum o ato criminoso, e dentre esses atos o assassinato é um dos mais condenáveis, por que para o Estado, esse crime é justificável?
A máxima “bandido bom é bandido morto” só é compreensível quando parte da boca de pessoas que não crêem num Deus Justo e Soberano, capaz de transformar e redimir as pessoas...
E são, justamente,  as pessoas que se dizem possuidoras de uma fé em um Deus Único e Bom, em um Deus capaz de perdoar e transformar, são, justamente essas, em grande parte, as pessoas que mais batem no peito e defendem a pena de morte, sejam de qual denominação religiosa a que pertençam: católicos, evangélicos, batistas, cristãos ou não... 
Contradição das contradições!
Os ditos ateus e comunistas são mais humanos e realistas, porque, em sua grande maioria, defendem, sem saber, a revogação da pena de Talião por Cristo, que veio ao mundo para nos ensinar a lei do perdão e do amor.
Hipócritas e fariseus dirão: mas e se fosse seu filho? Se fosse seu filho a vítima de um crime hediondo?
Então respondo com outra pergunta: e se fosse o seu filho a pessoa que cometeu esse crime hediondo? Se fosse seu filho que, por uma fatalidade ou mesmo de caso pensado, num momento de desespero, o autor de um crime que condenasse à pena capital?
Do ponto de vista ético/religioso, existem ainda questões mais sérias, mas não pretendo fazer uma análise sob este enfoque...
Quero falar do ponto de vista legal.
A justiça em nosso país (e por recentes notícias, em todo o planeta) é muito falha. Ainda vivemos sob o manto do falso legalismo. Mate primeiro, pergunte depois... Esse é o lema que vemos em todo o orbe terrestre. Infelizmente.
No nosso país, temos exemplos clássicos de erros judiciais que prejudicaram a vida e levaram à morte centenas de pessoas, inclusive por linchamento, ato tão ou mais criminoso que o próprio crime imputado à vítima do “engano”...
“Ah!, nós linchamos essa pessoa sim, ela morreu, desculpe, mas pensamos que fosse ela a culpada...”
Isso cola? Isso vai trazer de volta a pessoa assassinada (e é esse o termo correto: assassínio sim!) pela coletividade enraivecida pelos programas televisivos que insuflam idéias nas cabeças vazias de quem se deixa levar por ondas de histeria?...
Aliás, a irresponsabilidade da mídia, ávida por audiência, é um capítulo à parte... Há algum tempo o Brasil acorda, almoça, janta e vai dormir ouvindo diversos apresentadores de telejornais que homicidas, estupradores, sequestradores, traficantes etc. merecem pena de morte... E não é exagero nenhum afirmar que a população se deixa influenciar por esse tipo de “jornalismo”.
“Se com o devido processo legal, inocentes amargam anos de cadeia devido a erros, imagine sem ele?” (Leonardo Sakamoto) 
Apesar da garantia à liberdade do cidadão ser direito consagrado pela Constituição Federal,  a ocorrência de prisão ilegal é comum e origina-se de arbitrariedade ou incompetência de uns e má fé, equívocos burocráticos ou apurações irregulares de outros.
Segundo o advogado penalista Maicon Prata, esses erros são mais comuns do que se pensa. O fato de grande parte das provas de crimes ser levantada com declarações de vítimas ou testemunhas, aumenta as chances de erro: “As pessoas podem se enganar. Muitas vezes, a pessoa retrata um caso como ela interpretou ou recordou, ou acha que recordou. A pressa também é inimiga neste processo, pois acaba acontecendo uma pressão sobre a testemunha”. 
Assim, devido a essa estrutura deficiente de nossa polícia investigativa e à deficiência do próprio sistema, com freqüência ocorre o erro judiciário no Brasil. E ainda temos a questão racial que influi muito nas decisões do Judiciário.
Diogo Tebet, membro da comissão de direito penal do IAB (Instituto dos Advogados do Brasil), concorda com a tese. “Está comprovado que o sistema penal e penitenciário é altamente seletivo, discriminatório e estigmatizante”. 
A historia de nosso país está coroada por vergonhosos e escabrosos casos de erros judiciais. Vejamos alguns exemplos:


O caso dos Irmãos Naves foi um acontecimento policial e jurídico ocorrido na época do Estado Novo no Brasill, no qual dois irmãos foram presos e barbaramente torturados até confessar sua suposta culpa em um crime que não cometeram. Esse caso é conhecido como um dos maiores erros judiciais da história do Brasil e um dos que tiveram maior repercussão, tanto que sua história serviu de inspiração para o filme O Caso dos Irmãos Naves, de Luís Sérgio Person. O caso também foi mostrado em 2003 no programa 'Linha Direta Justiça' da Tv Globo. (fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Irm%C3%A3os_Naves)


Marcos Mariano da Silva, mecânico pernambucano, foi preso, em 1976, porque confundido com o homicida que tinha o mesmo nome, Marcos Mariano Silva. Em 1992, durante uma rebelião, policiais invadiram o presídio e Marcos foi atingido por estilhaços de granada, causando-lhe a perda da visão; passou 19 anos na cadeia, perdeu a saúde, o emprego, a mulher, os filhos e morreu de infarto, já em liberdade. Seis anos depois, o verdadeiro criminoso apareceu e foi preso, mas não serviu para reparar o erro cometido contra Marcos. O Estado de Pernambuco foi reconhecido como responsável pelos danos sofridos pelo mecânico e terminou sendo condenado a pagar indenização de R$ 2 milhões.


Fabiano Ferreira Russi foi preso, depois que duas mulheres, assaltadas em Taboão da Serra, São Paulo, reconheceram como um dos criminosos em um álbum fotográfico da polícia. O preso estava sozinho no reconhecimento e não tinha antecedentes criminais, mas, para sua infelicidade, foi fotografado depois que o delegado determinou identificação de todos os torcedores em batida policial. Fabiano trabalhava em hotel quatro estrelas da região da Vila Madalena, São Paulo, e até trinta minutos depois do assalto continuava no trabalho. Condenado em 2005, permaneceu preso por quatro anos. Após ser inocentado, perder emprego e arruinar sua vida, busca, agora, indenização pelos danos que a decisão judicial lhe causou.


Wagno Lúcio da Silva foi preso no dia em que comemorava 33 anos, 24/10/1997, acusado de latrocínio em Congonhas/MG, contra o taxista, Rodolfo Cardoso Lobo, assassinado a facadas. Foi condenado a 24 anos de reclusão e ficou mais de oito anos na cadeia. Em 2006, ingressou com ação de revisão criminal que foi julgada procedente e Wagno foi absolvido pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais; depois disso buscou ressarcimento pelos danos físicos e morais sofridos; uma das Câmaras Cíveis do Tribunal de Justiça condenou o Estado a indenizar o ex-segurança no valor de R$ 300 mil, mais dois salários mínimos de danos materiais, correspondente a cada mês em que esteve preso.


Robério Ribeiro da Cruz foi condenado sem provas a 20 anos de prisão, ficou preso por seis anos, seis meses e quatro dias pelo assassinato de uma criança, filho de uma ex-namorada, apontado como autor do fato pelo irmão da mãe da criança, foi solto após o verdadeiro assassino confessar o crime. A criança fora vítima do assassino em série, Francisco das Chagas Assis de Brito, que matou 42 crianças, no Maranhão. Embora inocentado, Robério não conseguiu mais reconstruir sua vida no Maranhão e, portanto, tenta fazê-lo, desde 2010, em Franca, São Paulo. Não recebeu qualquer assistência após ser libertado e, embora comprovada sua inocência, a sociedade continuou a penalizá-lo injustamente: “todos me olhavam de forma estranha (…); passavam em frente da casa da minha mãe e diziam: ‘É aí onde o matador de criança mora’. Foi horrível. É ruim demais. Minha mãe sofreu, meu pai. Eles tiveram que dar o que não tinham enquanto eu estava preso. Destruíram minha vida… fiquei preso em Pedrinhas (presídio da capital São Luís). Vi muita gente morrer… era o inferno… eu ficava no seguro.”



O advogado Aldenor Ferreira da Silva foi condenado a 24 anos de prisão pelo sequestro, extorsão e assassinato de um homem, fato que se deu em 22/7/1980, na área rural de Sobradinho, DF. Aldenor ficou preso por um ano e sete meses, mas em setembro/2011, o Tribunal de Justiça reconheceu o erro, porque o homem tido como morto foi preso em 1995, em São Paulo. Além disso, observou-se que, no processo não havia atestado de óbito, nem laudo de exame cadavérico.
Valdimir Sobrosa ficou preso por 11 anos e oito meses sem julgamento. Depois de todo esse período, Valdimir foi inocentado do crime de homicídio que não cometeu. Requereu ressarcimento pelos danos causados e alegou que foi transferido vinte e quatro vezes de presídio o que impedia a visita de sua família. O Estado do Rio de Janeiro foi condenado pelo Tribunal de Justiça a pagar a indenização por danos morais de R$ 2 milhões. O Estado recorreu da decisão.
Eugênio Fiúza, ficou preso durante 17 anos acusado de estuprar 17 adolescentes em Belo Horizonte  na década de 90. Fiúza é um dos sósias do bancário Pedro Meyer, suspeito de ser o verdadeiro responsável pelos crimes. Ao que tudo indica, este é mais um caso de erro judicial registrado no Estado nos últimos anos.
Lucimário José de Lira foi solto em 2009, depois de ficar preso por seis anos na prisão da cidade de Extrema, no sul de Minas. Lucimário, que sofre de problemas mentais, foi encontrado na rua de um município próximo à Extrema, e estava sem documentos. Ao informar seu nome, foi imediatamente preso acusado de homicídio. Na verdade, o responsável pelo crime era Lucimário José da Silva, morto em 2005. O caso só foi esclarecido quando um policial pediu que Lucimário escrevesse seu nome completo. Ele contou  também onde havia nascido e em qual escola estudou. Após contato com a delegacia de Bezerros (PE) e a confirmação das informações, o suspeito foi solto.


Qualquer cidadão pode ser vítima de erro judiciário, mas a história mostra que a grande maioria dos casos envolve pessoas carentes, negras e sem escolaridade, que não possuem a mínima condição para custear as despesas com advogados, necessitando do trabalho dos defensores públicos, em muito pouco número no Judiciário brasileiro.
Imagine agora, uma pessoa condenada à morte por ser homônima ou sósia de um criminoso?
Pior ainda: imagine que a pessoa condenada injustamente é sua filha...





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